“Isso aqui não é parque. Isso aqui é cadeia”, diz o carcereiro, enquanto detentos caminham de cabeça baixa por um corredor ao som de xingamentos.

De repente, a sessão de espancamento começa. Com cassetetes em punho, os carcereiros desferem golpes contra os homens. Eles caem, gritam e sangram. A fúria, porém, não tem fim. “Bem-vindos ao caldeirão do inferno.”

As cenas iniciais de “O Jogo que Mudou a História” sintetizam uma das propostas da série, que chega nesta quinta-feira (13) a Globoplay.

Inspirada em fatos reais, a produção mostra ao longo de dez episódios como a truculência no sistema penitenciário ajudou a gestar o crime organizado no Rio de Janeiros dos anos 1970.

No começo da série, o espectador é apresentado ao Instituto Penal Cândido Mendes, presídio que existiu por quase cem anos na Ilha Grande, litoral sul fluminense. A localização paradisíaca da unidade, de frente para o mar, contratava com o que se desenrolava em seu interior.

Apelidado de caldeirão do inferno, o complexo penal se tornou célebre pelo desrespeito aos direitos humanos. Além de detentos comuns, o local abrigou presos políticos como o jornalista Fernando Gabeira e o escritor Graciliano Ramos.

O literato, aliás, usou sua vivência na unidade para escrever o livro “Memórias do Cárcere”, no qual descreve os internos como “farrapos vivos” e “fantasmas prematuros”.

A descrição é apropriada para descrever também o estado dos presos retratados na série da Globoplay. A produção mostra a população carcerária confinada em celas fétidas e insalubres.

Presos considerados indisciplinados são trancafiados em solitárias mal ventiladas e sem luz do sol.

Além disso, a violência irrompe com frequência entre os detentos. Isso porque há na prisão dois grupos rivais –a falange Jacaré e a falange Vermelha, que posteriormente iria se tornar o Comando Vermelho, uma das maiores facções criminosas do Brasil.

A rivalidade entre os dois grupos ultrapassa os muros da penitenciária e se espalha pelas comunidades do Rio de Janeiro, que passam a viver uma rotina de violência. “O Jogo que Mudou a História” narra justamente o desdobramento desses confrontos.

“Eu sou um cara dos anos 1980, então vi muitas dessas histórias na TV e ouvi de algumas pessoas”, diz José Junior, autor da série e fundador da ONG AfroReggae, instituição que firmou uma parceria com a Globoplay para tirar o projeto do papel.

“Depois de conviver muitos anos no meio desse conflito, pensei em escrever um livro. Mas, com o passar do tempo, migrei para o audiovisual, resolvi transformar em um filme, mas acabou virando uma série.”

Essa não é a primeira produção que ele criou para a Globoplay. Antes, foi responsável por “A Divisão” e “Arcanjo Renegado”. Esses trabalhos trazem em maior ou menor grau cenas de violência.

Em “O Jogo que Mudou a História”, por exemplo, Egídio, personagem de Ravel Andrade, é vítima de um estupro coletivo dentro cela. Já durante uma rebelião, Hoffman, vivido por Babu Santana, manda um detento mutilar o pênis do líder da facção rival.

“A minha vida pessoal e institucional, como líder do AfroReggae, me levou para situações inimagináveis”, diz José Junior “E, como testemunha desses fatos, me sinto na obrigação de mostrar a verossimilhança de tudo que vivenciei e do que tive acesso.”

Ele diz ainda que a série mostra que o crime organizado ganhou força como uma resposta à brutalidade do Estado, que desumanizou moradores de favelas, agentes de segurança e a população carcerária. Mesmo fora da cadeia, esse grupo enfrenta percalços para encontrar oportunidades em razão dos estigmas.

“Nessa hora, quem está de braços abertos para eles é a criminalidade”, afirma José Junior, que contratou ex-detentos para atuar na série e participar da criação do roteiro. “Não dá para contar essas histórias sem esses protagonistas da vida real.”

Para ele, a série é relevante porque joga luz sobre temas que fazem parte da vida dos brasileiros.

“O momento atual é assustador. Um problema que era somente do Rio de Janeiro virou um problema do Brasil. ‘O Jogo que Mudou a História’ é uma série que mostra a pedra fundamental desse tipo de criminalidade.”

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Equipe Tretas & Resenhas – Pesquisa, produção e/ou adaptação, com informações da FONTE.

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