A preocupação com a saúde mental está no centro das discussões sobre educação. As consequências da pandemia, com o fechamento das escolas, e os casos de violência envolvendo estudantes soaram o alarme para a necessidade de cuidar melhor das questões emocionais dos alunos. O que já vinha sendo apontado em pesquisas científicas como importante para a aprendizagem, virou imperativo —e mais um desafio para professores sobrecarregados, mal pagos e sem tempo para si.

Para a psicopedagoga Alcione Marques, 57, o professor foi confrontado a desenvolver habilidades socioemocionais nos alunos “sem que ele mesmo as tenha”.

Diretora da NeuroConecte, onde desenvolve e coordena formações com equipes multidisciplinares para a educação socioemocional e saúde mental nas escolas, reflete nesta entrevista à Folha sobre o que mudou na sociedade nos últimos anos, quais desafios se impuseram sobre os professores e como eles podem encontrar estratégias para se sentirem menos pressionados e mais envolvidos no dia a dia na escola.

Ela alerta, no entanto, que esses mecanismos vão além do autocuidado e da iniciativa individual dos próprios docentes. Envolvem, por outro lado, melhoria nas condições de trabalho, clareza sobre o apoio da escola e da rede e possibilidade de ter diálogo e criar vínculos com colegas e alunos.

“Faltam, em muitas escolas, momentos em que os educadores possam compartilhar com seus pares suas experiências e dores”, afirma Marques, autora de livros sobre educação emocional na escola.

“Saúde mental é uma questão coletiva”, defende.

A sra. tem 25 anos de experiência na área de educação. O que mudou na carreira docente nesse período?Houve muitas mudanças, desde a forma de ensinar, o avanço das tecnologias, da inclusão, a expansão do neoliberalismo na sociedade e o aumento da violência.

Atualmente, já sabemos que a dimensão emocional para uma aprendizagem eficiente é tão importante quanto a racionalidade, e ambas devem ser desenvolvidas ao longo da vida para preparar os alunos para um mundo mais imprevisível e complexo. Com isso, o professor foi confrontado a desenvolvê-la nos alunos, sem que ele mesmo as tenha em si.

Houve, ainda, o avanço das tecnologias e da comunicação digital, que mudou o acesso à informação, os interesses e a maneira como crianças e adolescentes lidam com o mundo e com as relações. A própria necessidade de incorporar recursos tecnológicos na sala de aula, potencializado na pandemia, trouxe um novo desafio para os professores, mais uma vez sem o preparo suficiente para a tarefa.

Nesse período, a escola se tornou mais inclusiva, o que é muito positivo, mas muitas vezes não há estrutura e formação adequada, o que sobrecarrega os professores.

Houve também um aumento da influência dos princípios do neoliberalismo sobre as escolas privadas, o que levou muitas delas a priorizar as “demandas do mercado”, o que frustra alguns educadores.

A violência cresceu na sociedade, o que se refletiu na escola com os ataques, antes inexistentes no Brasil. Isso traz uma sensação maior de insegurança e medo para o professor.

Tudo isso torna o trabalho do professor mais complexo.

Dentro desta complexidade, o que mais afeta a saúde mental dos professores?

Falta de apoio e reconhecimento, formação inadequada, pouca autonomia, baixos salários e pouco tempo para planejar e analisar os estudantes. Professores têm sido constantemente cobrados por resultados e, muitas vezes, se sentem sem apoio necessário, inclusive da gestão escolar. A falta de formação adequada os deixa sem recursos pessoais para lidar com as demandas do contexto, o que intensifica o estresse.

A falta de autonomia em decisões que afetarão diretamente seu trabalho é um outro fator que compromete a motivação e o engajamento. Também falta, em muitas escolas, momentos em que os educadores possam compartilhar com seus pares suas experiências e dores.

É comum que o professor tenha de trabalhar em diferentes escolas, com uma carga horária extensiva para garantir um ganho adequado, o que impacta também no tempo para a vida pessoal, prática de atividade física e formação, com reflexos no bem-estar geral.

Há também uma crença equivocada de que o professor deve manter uma distância emocional dos estudantes. Mas estudos mostram que é exatamente o contrário: o vínculo diminui os níveis de estresse. No livro “Dilemas na Educação”, eu abordo vários desafios dos professores. Um deles é o despreparo para construir a autoridade em sala de aula, que não é dada a priori, precisa ser conquistada, e o professor precisa de estratégias para isso.

Há um constante embate entre a sociedade e a escola, a aprendizagem e o conhecimento. Como fugir dele?

Esse é um fenômeno complexo, que envolve pobreza, desigualdade e o questionamento de sistemas de governo. As redes sociais potencializaram as “bolhas”, o que aumenta a polarização e a disseminação de ideias extremistas, sem falar nas “fake news”. Isso chega também à escola, que passa a ser vista com desconfiança por uma parte da população, que acredita que ela tem o propósito de “doutrinar” seus filhos.

O único caminho possível é educar as crianças desde cedo para o pensamento crítico, ou seja, para serem capazes de refletir sobre uma ideia e questioná-la. Desenvolvendo formas positivas para lidar com o conflito, os alunos saberão que sempre haverá quem pense diferente e discorde e serão capazes de argumentar para defenderem seu ponto de vista.

As famílias precisam ser também convidadas para essas reflexões.

Como os professores devem se preparar para enfrentar esse cenário de vigilância e exposição nas redes sociais?

O professor deve ter clareza sobre o projeto político pedagógico de sua escola e o regimento escolar para saber os deveres e direitos de todos dentro da escola, e deve buscar um diálogo aberto e frequente com a gestão e com seus pares, para saber sobre como a escola se posiciona em relação à comunicação em redes sociais e como os pais e a comunidade são chamados a participar da escola.

Também é necessário saber da escola qual o fluxo de ações para tomar caso se identifique um estudante em sofrimento. Após um primeiro acolhimento, a quem deve ser encaminhada a situação em casos mais complexos? Que ações a escola já desenvolve e como ele pode participar?

Do outro lado, a gestão escolar precisa planejar todos esses pontos, de preferência de maneira participativa, envolvendo trabalhadores da escola, estudantes e famílias nessa construção. Cabe enfatizar que é importante que o professor crie vínculos com seus colegas de trabalho e a escola incentive a troca de experiências para ampliar o repertório de todos.

Quais estratégias os professores devem adotar para cuidar da saúde mental?

O autocuidado é tema sempre presente nas formações que damos. É preciso se conhecer e se responsabilizar por ações individuais que comprovadamente contribuem para a melhora da saúde física e mental e para o bem-estar. Isso envolve a prática de exercícios físicos, alimentação balanceada, sono de qualidade, cultivar bons relacionamentos e, se possível, praticar meditação– além, claro, de criar condições óbvias de bem-estar, como melhores condições de trabalho, formação e remuneração, e tornar possível que um professor atue em uma só escola para formar vínculos e não perder tempo com deslocamentos.

Mas precisamos tomar cuidado para não cair no equívoco de que basta a ação individual: saúde mental é uma questão coletiva, que se relaciona com diversas instâncias sociais e políticas, e precisamos pensar coletivamente em ações para garantir a saúde mental e o bem-estar dos professores.

Além disso, temos que tomar cuidado para que tudo na educação não seja visto como terra arrasada, porque isso afeta a autoimagem dos que trabalham com a educação e a maneira como a sociedade vê e confia na escola.

Conheço professores e escolas que têm feito um trabalho incrível e que constroem relações maravilhosas com os estudantes e com a comunidade, inclusive públicas, e com bons resultados acadêmicos.


Raio-X

Alcione Marques, 57

Diretora do NeuroConecte, é mestre em ciências, pedagoga e psicopedagoga com aprimoramento em reabilitação cognitiva, especialista em neurociência do comportamento. É coautora de “Dilemas na Educação: Novas Gerações, Novos Desafios” (Autêntica, 2023) e “Educação Emocional para Professores” (Appris, 2023), entre outros.

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Produzido e/ou adaptado por Equipe Tretas & Resenhas, com informações da fonte.

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