A proxalutamida é um medicamento que voltou a virar assunto nesta quarta-feira (27), após reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelar mensagens que mostram que o ex-presidente Jair Bolsonaro determinou, em 2021, que o tenente-coronel Mauro Cid distribuísse a aliados doses de do remédio durante a pandemia da Covid-19 mesmo sem registro no Brasil e em fase de testes em todo o mundo.
Segundo mensagens extraídas do celular de Cid pela Polícia Federal, obtidas pelo jornal, Bolsonaro tratou diretamente com o militar sobre a entrega do remédio, que, até hoje, não tem eficácia comprovada contra a doença.
O que é proxalutamida?
A proxalutamida é um medicamento criado por uma indústria farmacêutica chinesa com o objetivo de tratar câncer de próstata. O remédio bloquearia receptores de testosterona e a di-hidrotestosterona (DHT), uma vez que os hormônios têm o papel central na progressão de tumores dependentes de andrógenos. Ao Estadão, o infectologista Alexandre Naime, da Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, explica que o fármaco se conecta aos receptores ocupando o lugar deles.
Oportunidade única
Cartão Legacy: muito além de um serviço

A substância nunca recebeu aprovação de agências regulatórias de referência, como a FDA, órgão regulador dos Estados Unidos, a EMA (União Europeia) ou a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nem para uso oncológico, para o qual foi desenvolvida.
O remédio também foi considerado para tratamentos dermatológicos, como alopecia androgênica (a forma mais comum de calvície) e hirsutismo (crescimento excessivo de pelos em mulheres).
No período da pandemia, a proxalutamida passou a ser defendida por apoiadores do governo Bolsonaro como um potencial tratamento contra a Covid-19.
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Na época, havia uma hipótese de que a enzima TMPRSS2, usada pelo Sars-CoV-2 para ativar a proteína Spike e invadir células humanas, seria regulada por hormônios androgênicos. Ou seja, teoricamente, a proxalutamida poderia bloquear os tais hormônios, reduzindo a atividade da enzima e dificultando a entrada do vírus nas células respiratórias. Essa justificativa, no entanto, nunca foi confirmada por estudos de qualidade.
Estudo “despublicado”
Um artigo publicado no periódico científico Frontiers in Medicine em 2021 mostrava que a proxalutamida poderia reduzir em até 91% as hospitalizações de homens por Covid-19. O estudo foi conduzido em dois hospitais de Brasília.
Porém, o artigo foi questionado pela comunidade científica nacional e internacional, com especialistas apontando inconsistências nos dados, e levantando dúvidas sobre a ética do experimento. A partir disso, a revista científica contratou uma análise independente do estudo que concluiu que havia falhas graves na metodologia.
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O principal problema foi na forma como os pacientes haviam sido distribuídos entre os grupos de tratamento e de controle. O resultado foi a retratação formal do artigo em 2022. Outro estudo do mesmo grupo de autores, desta vez no British Medical Journal, permanece em revisão e recebeu um selo de “expressão de preocupação”.
No Brasil, o uso experimental do fármaco também esteve cercado de controvérsias. Embora a Anvisa tenha autorizado pesquisas clínicas, a agência suspendeu a importação ao constatar a entrada de comprimidos em quantidade muito superior à permitida para os testes, o que possibilitou desvios de lotes. O caso motivou a abertura de uma investigação pelo Ministério Público Federal, ainda em andamento.
Riscos e efeitos adversos
Ouvido pelo Estadão, o infectologista Alexandre Naime explicou que o bloqueio do eixo androgênico, mecanismo central da proxalutamida, pode causar efeitos colaterais importantes. Entre eles estão:
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- Ginecomastia (aumento das mamas nos homens)
- Queda da libido e infertilidade
- Fadiga e alterações metabólicas
- Problemas no fígado
- Alterações cardiovasculares, incluindo risco de trombose, especialmente em tratamentos prolongados
Confira a nota da Anvisa sobre a proxalutamida, de 2021:
A Anvisa esclarece que não foram solicitadas importações do medicamento proxalutamida para condução de pesquisa clínica no Brasil.
Foram realizadas, porém, importações de proxalutamida na modalidade de remessa expressa, entre o segundo semestre de 2020 e a primeira metade de 2021, para o desenvolvimento de pesquisa científica, ou seja, sem objetivo de registro do produto no Brasil.
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Estas remessas foram localizadas no sistema no dia 25/08. A dificuldade na localização aconteceu porque o nome da substância não constava na descrição do produto no pedido de importação.
A modalidade de importação conhecida como remessa expressa permite a entrada de medicamentos no Brasil para desenvolvimento de pesquisa científica ou tecnológica envolvendo seres humanos, ou seja, sem finalidade de registro do produto sob estudo.
No pedido submetido à Anvisa, o importador declarou que o medicamento não seria utilizado em pesquisas clínicas, ou seja, não havia o objetivo de registro do produto. Importações de medicamentos para pesquisas clínicas devem ser realizadas por meio de Licença de Importação.
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ANVISA NÃO AVALIA PEDIDOS DE ESTUDOS CLÍNICOS COM FINS NÃO REGULATÓRIOS
A Anvisa avalia apenas pedidos de autorização para estudos clínicos com finalidade de registro do produto.
Os aspectos éticos de pesquisas não submetidas à Anvisa devem ser avaliados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição que conduz os estudos.
ESTUDOS COM PROXALUTAMIDA APROVADOS NA ANVISA
Até o momento, a Anvisa aprovou apenas dois pedidos de estudo clínico, com fins regulatórios, para o medicamento proxalutamida. Os estudos são patrocinados pela empresa Suzhou Kintor Pharmaceuticals, sediada na China.
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