Advogado do general Augusto Heleno, Matheus Milanez avalia que a condução do caso relativo à trama golpista pelo ministro Alexandre de Moraes no STF (Supremo Tribunal Federal) pode impactar na atuação de magistrados de instâncias inferiores, empoderando “maus juízes”.
Em entrevista à Folha, ele defende que o relator não pode ter protagonismo durante a instrução do processo. “O problema de decisões de alto escalão que ferem direitos fundamentais não é o bom juiz. Esse vai continuar sendo bom. O problema é o mau juiz”, diz.
Milanez estreou na corte como advogado principal de um caso ao defender o ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da gestão Jair Bolsonaro. Ainda que já tivesse atuado em outras operações ruidosas, afirma que o volume de provas e a velocidade da tramitação da ação penal o surpreenderam.
O volume de material somado ao pouco tempo de análise gerou, na avaliação dele, o cerceamento do direito de defesa. Além disso, ele acredita ter provado a inocência de Heleno e, portanto, que os recursos têm o potencial de anular a condenação de 21 anos de prisão imposta ao cliente.
O advogado criticou também a PGR (Procuradoria-Geral da República) por não produzir novas provas ao longo do processo e os ministros da corte, por não darem respostas aos questionamentos das defesas.
Muitas das defesas se queixaram da falta de resposta dos ministros às questões levantadas por elas. Isso ocorreu no caso do Heleno? Sim, em especial sobre o sistema acusatório e o inquisitivo. Não é que ele [Alexandre de Moraes] não pudesse fazer perguntas, mas não pode ter o protagonismo. Começa com excesso de perguntas, passa para o fato de ele investigar ativamente testemunhas, culmina em pedir a consignação de perguntas na ata [da audiência]. O juiz pode participar da instrução probatória, fazer perguntas. Complementares. Academicamente, tem linhas que defendem que o juiz perguntar seria irregular. Se ele pergunta, está assumindo um lado. Na dúvida, é favorável ao réu.
No caso do Heleno, que fez uso parcial do direito ao silêncio, o ideal seria o ministro não ter pontuado as questões que faria? O silêncio não pode ser usado em prejuízo contra ele. Alguns entendem que consignar as perguntas é uma continuação do interrogatório, e aí incorreria até em um possível crime, da Lei de Abuso de Autoridade. Mas o que a gente vê é que viola o direito ao silêncio.
Como isso vai ser visto pelo TRF, TJ, juiz de primeiro grau? O problema de decisões de alto escalão que ferem direitos fundamentais não é o bom juiz. Esse vai continuar sendo bom. O problema é o mau juiz. Ele vai ver essa decisão e pensar: “Então eu posso verificar? Vou perguntar mais”. O papel do julgador não é esse. Ele não participa do jogo. Igual ao árbitro de futebol.
É possível antecipar quais serão os pontos levantados nos recursos no caso de Heleno? Essa nulidade, que não foi abordada direito. Ainda, não é humano falar que foi garantido o contraditório para aquela vastidão de material em tão curto espaço de tempo. O ponto principal é sobre as provas que supostamente envolvem o Heleno. A gente conseguiu desconstruir aquela caderneta, com as folhas separadas. A questão da Abin paralela. Em nenhum momento isso foi discutido. Como ele organizava uma Abin paralela se ele foi investigado nesse próprio órgão?
O que espera com os embargos? Redução de pena? Não, anulação. Eles podem modificar o entendimento das preliminares. A probabilidade é baixa, mas não é impossível. Se você não acredita naquele 1%, pendura a beca.
FolhaJus
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Em alguns momentos, os ministros retomam o prestígio do general dentro das Forças Armadas, a admiração do próprio Bolsonaro por ele. Isso foi usado contra ele? Esse argumento, na verdade, me favorece. Se é assim, por que o papel dele foi falar das urnas? Além disso, não teve politização no GSI, ele manteve pessoas de outros governos. E se o grande empecilho para o golpe foi o Freire Gomes, ele foi cadete do Heleno na academia. Não teria ninguém melhor para falar: “Vamos lá, todos juntos para o Brasil”. Não encaixa nem na realidade do Ministério Público.
Heleno sempre foi de falas muito duras. A construção dessa figura pública influenciou no julgamento? O grande norteamento foi a proximidade dele com o presidente e o fato de ele ter sido um cabo eleitoral muito forte. Eles tentaram afastar o nosso argumento do afastamento dele do presidente na segunda parte do mandato.
O sr. disse que a Procuradoria não acrescentou provas. Isso em relação às defesas prévias? Não, desde a denúncia, porque o processo segue para produzir prova. A ideia da instrução é produzir prova para confirmar a acusação. Na denúncia, o standard [padrão] da prova é baixo, tem que ter indícios. Para condenar é muito mais alto, mas não teve produção de prova. A denúncia já gerou um juízo condenatório, não só de recebimento, como tinha que ser.
Em relação ao seu trabalho no julgamento, já era um caso rumoroso desde o início, já se esperava uma condução linha dura. Algo te surpreendeu? A velocidade foi impressionante. E eu já trabalhei com um processo em que todo material apreendido tinha 2 terabytes [de arquivos digitais]. Mas 70 terabytes é muita coisa. Você começa por onde? Como você filtra?
Cristiano Zanin disse ele mesmo ter trabalhado com um volume desses, sem link, na sala da PF. Não era tudo isso. Tenho certeza. O presidente Lula não foi enquadrado em todos os momentos da Lava Jato.
Moraes respondeu que liberou o acesso a pedido das defesas e nenhuma apresentou nada relevante depois disso. Não é verdade. A gente usou a agenda, outros documentos. E como vou apresentar o que não vi? Esse é o ponto. Você até tenta analisar, mas se só olhou 5 terabytes, como apresentar algo além? Você está vendo o volume total de provas?
Raio-X
Matheus Milanez, 33
Advogado criminalista, professor e mestrando em direito na UnB
O advogado Matheus Milanez, que defende o general Augusto Heleno, critica a condução do caso no Supremo Tribunal Federal (STF) sob o relator Alexandre de Moraes, alertando que isso pode empoderar “maus juízes” em instâncias inferiores. Em entrevista, ele ressalta que a atuação do relator não deve ter protagonismo, pois decisões equivocadas podem distorcer a percepção do papel do juiz. A defesa de Heleno, que se julga injustamente condenada a 21 anos de prisão, aponta para um cerceamento do direito de defesa devido ao volume de provas e à velocidade do processo. Milanez acusa a Procuradoria-Geral da República de não produzir novas provas e critica a falta de resposta dos ministros às defesas. Ele menciona a importância de direitos fundamentais e ressalta que um mau juiz pode interpretar decisões mais lenientes como uma permissão para ser mais inquisitivo. A defesa busca não apenas a redução da pena, mas a anulação da condenação, destacando a falta de provas e a inadequação do processo. Por fim, ele expressa que a imagem pública de Heleno e suas falas duras influenciaram o julgamento, mas argumenta que sua defesa é alicerçada em questões formais e evidenciais.
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