Os projetos de anistia, amplas ou estreitas, que circulam no Congresso não são iniciativas legais, isto é, elogiáveis, pois oferecem abrigo ao golpismo. Contudo, ao contrário do que proclamam os sábios juristas Alexandre de Moraes e Flávio Dino, seriam atos legais, ou seja, constitucionais.
Assevera-se por aí, com ar de superioridade, que só especialistas deveriam pronunciar-se sobre o significado das leis. Ignorância pura: leis não são livros sagrados ou herméticos manuscritos oriundos de seitas místicas. São textos escritos por legisladores eleitos, isto é, gente comum de variados ofícios. Você e eu somos capazes de compreender o sentido dos códigos legais.
A lei não admite ilegalidades justificadas pela alegação de incompreensão da lei. Implicação: todas as pessoas alfabetizadas dispõem dos meios para entender as leis. No caso da anistia, a Constituição é clara como a luz do deserto, dispensando a interpretação sistemática dos especialistas.
O artigo 5º, inciso XLIII, elenca os “crimes insuscetíveis de graça ou anistia”, entre os quais não se encontra nada parecido com golpe de Estado. O inciso seguinte, XLIV, trata especificamente da “ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, qualificando-a apenas como “crime inafiançável e imprescritível”. Inexiste omissão sobre anistia a golpismo, pois o legislador escolheu situar ações golpistas no inciso que não proíbe perdão.
Moraes e Dino podem contar outra: a do papagaio. Alternativamente, podem decidir que o STF escreve uma Constituição a cada dia, segundo a sua vontade soberana. “A Constituição sou eu”, diria um Luís 14 de toga. Contudo, trilhando tal caminho, os juízes invadiriam a competência do Congresso, sabotando a educação política do conjunto da sociedade.
A via constitucional manda os juízes saírem de cena, colocando os congressistas alinhados ao golpismo diante do tribunal da opinião pública. O Datafolha indica maioria de 54% a 39% contrária à anistia para Bolsonaro e sua trupe criminosa. Apesar dos discursos dos extremistas, os brasileiros preferem a democracia. Por que evitar o entrechoque da maioria da população com um Centrão disposto a conceder perdão aos golpistas em troca da passagem do bastão de Bolsonaro a Tarcísio?
Democracia não é o governo dos juízes, mas o governo do povo, filtrado pelas instituições e leis. A maioria parlamentar não pode revogar o Estado Democrático de Direito, que figura como cláusula constitucional pétrea —mas, obviamente, aprovar a anistia não o revoga. E o artigo 48 da Constituição esclarece que a “concessão de anistia” faz parte das “atribuições do Congresso Nacional”.
No seu voto, o erudito Dino alegou que “nunca a anistia se prestou a favor dos que exercem o poder”. Incultura? Amnésia? A Lei de Anistia de 1979 prestou-se principalmente a proteger os que exerciam o poder, perdoou o crime hediondo de tortura e —surpresa!— foi acolhida pelo STF. Por isso, mesmo condenado, Brilhante Ustra, herói de Bolsonaro, jamais cumpriu pena.
A anistia que hoje se discute seria ainda mais vergonhosa, pois instituída na democracia. Os congressistas sem coluna vertebral têm o direito de tentar. A resistência compete aos outros, que expressam a vontade da maioria dos cidadãos e têm o dever de mobilizá-los.
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Os projetos de anistia que tramitam no Congresso são criticados por conceder abrigo ao golpismo, sendo debatidos sob a falsa premissa de que são constitucionais. Leis não são estruturas inacessíveis e podem ser compreendidas por todos, não apenas por especialistas. O artigo 5º da Constituição esclarece que crimes como o golpe de Estado não são passíveis de anistia, e a intenção do legislador de não permitir a impunidade para golpistas é evidente. A resistência à anistia deve vir da população, que, segundo pesquisas, prefere a democracia. A anistia, se aprovada pelos congressistas, não revogará o Estado Democrático de Direito, que é uma cláusula pétrea. A história da Lei de Anistia de 1979 revela que a anistia foi, em grande parte, favorável a quem estava no poder. A atual proposta, se aprovada em um contexto democrático, seria ainda mais controversa. Portanto, a mobilização cívica contra essas tentativas deve ser uma prioridade para aqueles que defendem a vontade do povo e a manutenção da democracia.
Em resumo, a discussão sobre a anistia é uma questão crítica para a democracia, e a mobilização cidadã se faz necessária para resistir a quaisquer tentativas de impunidade e manter a integridade do Estado de Direito.
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