Assim que lançou a primeira parte da biografia de Lula pela Companhia das Letras, em outubro de 2021, o jornalista e escritor Fernando Morais, 79, divulgou que a segunda e última parte sairia em junho de 2023. O lançamento, no entanto, foi adiado seguidas vezes.
O autor afirmou que estava aguardando, da parte do governo americano, o acesso aos registros que confirmaram possuir sobre Luiz Inácio Lula da Silva nos órgãos de segurança dos Estados Unidos, como a CIA, o FBI e a NSA. Eram 916 registros que citavam Lula, segundo ele.
Diante dos recorrentes atrasos, Morais se viu obrigado a acionar um escritório britânico de advocacia para agilizar o recebimento da documentação.
“Como sou de Mariana, onde aconteceu o desastre da Vale, o escritório Pogust Goodhead, que ganhou a causa da população de lá contra a empresa nos tribunais de Londres, pegou minha causa sem nenhuma cobrança. Estão me representando nos Estados Unidos para eu ter acesso a esses registros”, conta Morais em entrevista de cerca de três horas à Folha.
Mas o motivo da demora, conforme ele esclarece no seu apartamento no bairro de Higienópolis, na capital paulista, não se deu só pela falta de acesso aos documentos. “Sou rápido em apurar, mas lento em escrever”, conta ele, brincando se irritar com a rapidez de colegas biógrafos como Lira Neto, que “estragam o mercado”.
“Além dessa minha lentidão costumeira, fiz novas apurações, pesquisas e entrevistas”, aponta o autor. Ele decidiu com seu editor, Luiz Schwarcz, que afinal serão três volumes para fechar a trajetória política de Lula. Caso os documentos cheguem, podem entrar no último volume ou virar ainda outro livro.
O segundo livro da agora trilogia deve sair em março, depois de o primeiro vender mais de 100 mil exemplares em quatro reimpressões, segundo o autor —a editora não divulga números.
Aproveitando a menção a Lira Neto, o repórter pergunta se a trilogia do autor sobre Getúlio Vargas teria influenciado no aumento do projeto sobre Lula para três livros. “Certamente me inspirou. Além do mais, sou getulista”, diz, rindo.
O segundo volume começa onde o primeiro acaba, quando Lula, após ser derrotado nas eleições para governador do estado de São Paulo em 1982, viaja para Cuba para curar a depressão por ter ficado em quarto lugar, numa eleição vencida por Franco Montoro.
“Lula sempre teve dificuldade com as derrotas”, aponta o biógrafo. “Todas as derrotas o deprimem e de alguma maneira o induzem, no auge, a desistir da próxima.”
Aconselhado por Fidel Castro, que chama sua atenção para o fato de ele, um operário, ter recebido mais de um milhão de votos, Lula decide abraçar esse patrimônio político e seguir em frente. Antes de virar Deputado Constituinte, o petista atuou nos comícios das Diretas Já, em 1984, que o tornaram mais conhecido em todo o Brasil.
Morais conta num dos capítulos do segundo livro que, durante as eleições do Colégio Eleitoral, vencidas indiretamente por Tancredo Neves em 1985, Lula chamou José Dirceu e pediu que ele expulsasse os três deputados federais do PT que na ocasião votaram em Tancredo: Bete Mendes, Airton Soares e José Eudes. “Lula manda José Dirceu degolar os três. Dirceu era sua mão armada dentro do partido.”
Para o livro, Morais entrevistou Mendes e Soares, que hoje não guardam mais mágoas. Também conversou com os presidentes do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), Zé Maria, e do PCO (Partido da Causa Operária), Rui Costa. “É evidente que o PT errou nas expulsões, na radicalidade, os três eram bons políticos, com reconhecimento tanto dentro como fora do partido”, aponta Morais.
Mesmo com uma atuação destacada como deputado constituinte, “Lula descobre que ser deputado não era sua praia, o Parlamento não combinava com ele”, segundo o biógrafo.
Uma das entrevistas que Morais fez para o segundo volume foi com ex-senador Tasso Jereissati, outrora um dos grandes nomes do PSDB, para resgatar a história de seu “namoro” com Lula antes do sucesso do Plano Real.
“Ia sair uma chapa Lula na cabeça e Tasso de vice. O Brasil certamente teria outra cara. Mas quis a história que o Plano Real fosse um sucesso e FHC vencesse as eleições. No entanto, fico imaginando que país nasceria da união, naquela ocasião, entre o PT, um partido de esquerda com correntes marxistas, com a social-democracia tucana.”
Ao pensar na chapa Lula-Tasso, Lula tinha decidido que o PT apoiaria Mario Covas para governo do Estado de São Paulo e que rifaria José Dirceu, candidato pelo partido naquelas eleições de 1994 —depois vencida por Covas.
O segundo volume termina quando Lula vence as eleições para presidente da República pela primeira vez, há 23 anos, e vai para avenida Paulista fazer o discurso da vitória.
“Lula fica sabendo da vitória em um hotel na avenida Berrini e se desloca para o discurso na Paulista, no dia do seu aniversário de 57 anos, em 27 de outubro de 2002.”
O terceiro volume vai contemplar as passagens de Lula pela Presidência, os dois governos de Dilma Rousseff, seu impeachment e os governos de Temer e Bolsonaro. Termina com William Bonner anunciando na televisão a vitória do petista para seu terceiro mandato.
Questionado quando a parte final da trilogia chega às livrarias, Morais responde: “Talvez em um ano e meio, dois anos no máximo. É tempo suficiente. Meu trabalho de campo já está avançado. Ainda terei que fazer entrevistas, mas já tenho uma base de dados rica na memória do micro”.
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Acabando sua saga com Lula, Morais vai se emprenhar nas histórias do Partidão, o Partido Comunista Brasileiro, que nasceu em 1922 e, segundo ele, fecha um grande ciclo do seu interesse por temas e personagens que fizeram a história do Brasil nos séculos 20 e 21.
Prolífico, o autor afirma que já vendeu os direitos de seus livros sobre Paulo Coelho, “O Mago”, e sobre o marechal Casimiro Montenegro Filho, “Montenegro”, para o audiovisual. Ele está fazendo ainda o roteiro de um documentário sobre José Dirceu e, assim que acabar a biografia de Lula, pretende transformar as histórias que pesquisou sobre Antônio Carlos Magalhães (ACM) numa minissérie.
E suas próprias histórias vão fazer parte de “A Caixa Preta de Fernando Morais”, uma série em quatro capítulos dirigida por Paulo Cesar Toledo que deve entrar na HBO Max no primeiro trimestre de 2026.
Fernando Morais, autor da biografia de Lula pela Companhia das Letras, divulgou inicialmente que a segunda parte seria lançada em junho de 2023, mas teve que adiar por diversas vezes. Ele aguardava o acesso a 916 registros dos órgãos de segurança dos Estados Unidos, como a CIA e o FBI, e contratou um escritório britânico para facilitar a obtenção dos documentos. Morais, que se considera lento na escrita, decidiu expandir a biografia para três volumes devido a novas apurações e entrevistas. O segundo volume, que explora a trajetória de Lula após sua derrota nas eleições de 1982, deve ser lançado em março. O autor relata como Lula, aconselhado por Fidel Castro, superou as derrotas que o afetaram profundamente, além de momentos históricos como sua relação com Tasso Jereissati e a formação da chapa que poderia ter mudado o cenário político do país. A trilogia finalizará com os anos de presidência de Lula. Após esse projeto, Morais voltará seus esforços ao Partido Comunista Brasileiro e ao audiovisual, com diversas adaptações e documentários a caminho, incluindo uma série sobre sua própria trajetória.
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