Há um ano, escrevi nesse espaço que o novo Banco Central chegava com dilemas importantes: definir o modelo de autonomia recém aprovada no Congresso; enfrentar a baixa coordenação com a política fiscal; e navegar num cenário global de incerteza e juros longos mais elevados.
Doze meses depois, não faltaram testes: a frustração do mercado com o pacote fiscal de novembro de 2024 e o choque cambial posterior; o IOF “arrecadatório” de junho pegando por algumas horas as remessas externas de capital; o tarifaço dos Estados Unidos contra o Brasil; a mudança de postura do Fed. A pergunta não é se o BC foi “duro” ou “brando”, mas se fez um bom uso dos instrumentos ao seu dispor para cumprir o mandato.
O primeiro desafio, a transição da presidência e de outros dois membros, foi cumprida com relativa tranquilidade. A defesa do propósito institucional falou mais alto e, ainda na transição, os diretores anunciaram um choque de juros, continuado pelo novo Comitê. A Selic saiu de 10,50% para 15% em poucos meses —um salto de 450 pontos-base que trouxe um diferencial de juros extremamente alto em relação aos demais países.
No início do ano, as expectativas de inflação para 2025 chegaram a 5,6%, a moeda se depreciava, a política fiscal frustrava as expectativas de ajuste de despesas e a atividade se mostrava sobreaquecida.
O Copom reagiu com firmeza, melhorou a comunicação e se tornou mais dependente da avaliação de dados correntes, reduzindo as indicações futuras sobre taxas de juros (“forward guidance”). Em todas as reuniões houve consenso e as interações dos diretores com o público em geral se mostraram mais alinhadas, respeitadas as nuances nas ênfases e nas reflexões de cada um.
A política monetária situou o Brasil com diferenciais de juros acima de 800 pontos, em termos reais, em relação aos Estados Unidos. Isso nos favoreceu quando o dólar se reacomodou após forte valorização global e após o susto das tarifas, especialmente as recíprocas. Desde janeiro deste ano o dólar global já perdeu 10% do seu valor, ajudando na apreciação do Real.
As medidas duras e a consistência da política monetária até agora começam a render frutos. E houve, ainda, a ajuda com o enfraquecimento do dólar, o que aumentou fluxos para países emergentes e reduziu a pressão sobre seus ativos. Internamente, a execução fiscal trouxe algum alívio, com déficits menores que os previstos e alguma surpresa na arrecadação. A cada novo programa com aumento de gasto primário, uso de fundos públicos ou promessa de renúncia, os mercados contam pontos de deterioração fiscal futura.
Ainda que gradualmente, há uma clara convergência das expectativas de inflação. Segundo o Boletim Focus, do BC, a mediana do mercado estima uma desinflação muito lenta, saindo dos atuais 4,8% estimados para 2025 para 4,2% no horizonte de referência da política monetária (seis trimestres à frente) e para 3,5% apenas em 2029, ou seja, ainda acima da meta de 3%. Na curva de juros, a inflação implícita é negociada acima de 5,5% em 2029, da mesma forma não convergindo para a meta, ainda que descontados os “prêmios de prazo”.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
O que ocorreu até agora foi suficiente para melhorar expectativas, mas insuficiente para assegurar um controle estrutural da inflação. Ainda não há espaço na capacidade instalada da economia e os modelos de cálculo do BC para essa medida divergem com os do mercado. Mas, aos poucos, essas contas também vão se aproximando e, finalmente, os sinais de desaceleração da atividade começam a ficar mais claros.
A comparação com os Estados Unidos é inevitável. Lá, a inflação implícita nos juros de cinco anos gira em torno de 2,5%, também acima meta de 2%; há a incerteza sobre o impacto das tarifas, que parcialmente vem sendo absorvida nas margens dos exportadores / importadores. O Fed julgou necessário mudar o regime de metas, abandonando na Conferência de Jackson Hole o framework anterior, que permitia tolerar overshooting temporário da inflação e fazer um ajuste mais gradualista.
Ainda há a pressão política sobre o board, com a proximidade da mudança do Chairman. Se nos EUA o desafio é de ajuste fino e não perder a credibilidade, aqui ainda lutamos para reduzir a diferença de quase dois pontos em relação à meta oficial, mas estamos na direção oposta, de ganhos de credibilidade.
Nada disso significa que o trabalho esteja concluído. O próximo ano promete ser mais desafiador. O Fed passará por mais duas mudanças de cadeira em seu board. E, no pano de fundo, o mundo enfrenta uma escalada de riscos fiscais: dívidas maiores, juros longos elevados e menor tolerância dos mercados.
Em casa, haverá eleições que tendem a realçar os temas fiscais para uma visão quase binária (com ajuste ou sem ajuste). Caberá ao BC desenhar o início do ciclo de afrouxamento: quando começar, em que ritmo, espaço e com quais contrapesos na comunicação. A credibilidade conquistada em um ano pode se perder em uma decisão mal calibrada.
O balanço desse primeiro ano é de resiliência. O BC enfrentou turbulências, mas trouxe as expectativas para mais perto da meta. Contudo, credibilidade é processo. Constrói-se com perseverança, disciplina e consistência. Se o primeiro ano foi de definições, o próximo será de provação e afirmação.
A navegação continua. O Banco Central segura a bússola com firmeza, mas o mar segue revolto. É sempre na tempestade que se descobre a solidez do timoneiro.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
O primeiro ano do novo Banco Central foi repleto de desafios significativos, desde a definição do modelo de autonomia até a adaptação a um ambiente global incerto e taxas de juros elevadas. Apesar das dificuldades, como a frustração do mercado com o pacote fiscal e a oscilação cambial, o BC conseguiu uma transição de liderança relativamente tranquila. Adotou uma política monetária rigorosa, elevando a Selic de 10,50% para 15%, e ajustou sua comunicação e análise de dados atuais. As expectativas de inflação mostraram sinais de melhoria, mas ainda não garantem um controle estrutural, levando a uma convergência lenta das estimativas para a meta de 3%. As comparações com o Federal Reserve ressaltam um cenário de maior complexidade política e econômica na elaboração de estratégias monetárias no Brasil. O balanço final indica resiliência, mas os desafios futuros demandarão atenção cuidadosa ao afrouxamento das políticas. A credibilidade conquistada até agora precisará ser mantida para enfrentar os riscos fiscais e as pressões políticas que se aproximam, com o Banco Central navegando por águas turbulentas em busca de uma estabilidade duradoura.
_____________________________
_____________________
_____________
_______
___